Na próxima quinta-feira, dia 1 de Dezembro, terá lugar a segunda sessão do ciclo de
debate sobre poesia e práticas textuais contemporâneas "POEMATIZA!",
organizado pelo grupo de investigação GAELT
da Universidade de Vigo (16:00 horas, sala C-8, Faculdade de Filologia da Universidade de Vigo). Contaremos com a
presença da poeta galega Estíbaliz Espinosa, que seleccionou dois textos poéticos da sua autoria que apresentará em relação com o seguinte trecho de Clarice Lispector:
"É tão curioso
ter substituído as tintas por essa coisa estranha que é a palavra. Palavras —
movo-me com cuidado entre elas que podem se tornar ameaçadoras; posso ter a
liberdade de escrever o seguinte: "peregrinos, mercadores e pastores
guiavam suas caravanas
rumo ao Tibet e os caminhos eram difíceis e primitivos". Com esta frase
fiz uma cena
nascer, como num flash fotográfico.
O que diz
este jazz que é improviso? diz braços enovelados em pernas e as chamas
subindo e eu passiva como uma carne que é devorada pelo adunco agudo de uma águia que
interrompe seu vôo cego. Expresso a mim e a ti os meus desejos mais ocultos e
consigo com as palavras uma orgíaca beleza confusa. Estremeço de prazer por entre a
novidade de usar palavras que formam intenso matagal. Luto por conquistar mais profundamente
a minha liberdade de sensações e pensamentos, sem nenhum sentido utilitário:
sou sozinha, eu e minha liberdade. É tamanha a liberdade que pode escandalizar
um primitivo mas sei que não te escandalizas com a plenitude que consigo e que é sem
fronteiras perceptíveis. Esta minha capacidade de viver o que é redondo e amplo —
cerco-me por plantas carnívoras e animais legendários, tudo banhado pela tosca e esquerda
luz de um sexo mítico. Vou adiante de modo intuitivo e sem procurar uma idéia: sou
orgânica. E não me indago sobre os meus motivos. Mergulho na quase dor de uma intensa
alegria — e para me enfeitar nascem entre os meus cabelos folhas e ramagens.
Não sei sobre
o que estou escrevendo: sou obscura para mim mesma. Só tive inicialmente
uma visão lunar e lúcida, e então prendi para mim o instante antes que ele morresse e
que perpetuamente morre. Não é um recado de idéias que te transmito e sim uma
instintiva volúpia daquilo que está escondido na natureza e que adivinho. E esta
é uma festa de
palavras. Escrevo em signos que são mais um gesto que voz. Tudo isso é o que me
habituei a pintar mexendo na natureza íntima das coisas. Mas agora chegou a hora de parar
a pintura para me refazer, refaço-me nestas linhas. Tenho uma voz. Assim como me lanço
no traço de meu desenho, este é um exercício de vida sem planejamento. O mundo não
tem ordem visível e eu só tenho a ordem da respiração. Deixo-me acontecer."
Clarice Lispector,
1973, fragmento de Água Viva
agua viva from mariana valente on Vimeo.
Sem comentários:
Enviar um comentário