Em 1891, há 120 anos, morreu Antero de Quental, uma das figuras marcantes da cultura portuguesa na segunda metade do século XIX.
Nasceu em 1842 em Ponta Delgada e veio para o continente, em 1855, e estudou Direito
em Coimbra, entre 1858 e 1864. Em 1865 publicou as Odes Modernas, envolvendo-se ainda na agitação académica,
particularmente através da organização secreta «Sociedade do Raio», de que era
presidente. Datam também deste período as suas manifestações de entusiasmo face
aos movimentos sociais europeus, bem como a leitura dos grandes teorizadores do
socialismo e dos filósofos da época, nomeadamente Proudhon e Hegel, que muito
influenciaram o seu pensamento.
Igualmente, em 1865, e reagindo a Castilho,
encabeçou a Questão Coimbrã, tão importante na evolução da cultura
portuguesa, publicando "Bom Senso e Bom Gosto", carta a Castilho, que
teve várias edições em Coimbra e Lisboa, e A Dignidade das Letras e as
Literaturas Oficiais, em Lisboa. Aí, defendia já a missão social da poesia
por oposição ao lirismo ultra-romântico. Antero ascendeu, assim, a mentor da Geração de 70.
Durante os anos de 1870-72, fez parte das redacções
dos periódicos A República, com Oliveira Martins, Batalha Reis, Eça de
Queirós e António Enes, e do Pensamento Social, com Oliveira Martins.
Fundou, em 1872, a Associação Fraternidade Operária, representante em Portugal
da I Internacional Operária, e publicou, no Porto, Considerações sobre a
Filosofia da História Literária Portuguesa e Primaveras Românticas.
A este período de combate, que perdurou até cerca de
1875, esteve também ligada a organização das Conferências do Casino
(1871), ciclo da responsabilidade do «Grupo do Cenáculo» (que incluía Eça de
Queirós, Ramalho Ortigão e Batalha Reis, entre outros), que Antero elevara a
centro de reflexão política, social e cultural. Nas conferências, leu um dos
seus textos de análise histórica mais célebres, "Causas da Decadência dos
Povos Peninsulares nos Últimos Três Séculos", que corresponde aos desejos
de transformação do país que animavam a sua geração.
Em 1873, a morte do pai fê-lo regressar aos Açores,
dotando-o de uma herança que lhe garantiu uma vida sem problemas económicos.
Entretanto, atacado por uma doença estranha (identificada por alguns como
psicose maníaco-depressiva), foi obrigado a moderar a sua actividade. Apesar
disso, dirigiu ainda, com Batalha Reis, a Revista Ocidental (1875).
Iniciou-se então um período de profundo pessimismo, deixando-se Antero dominar
por um sentimento de morte e de aniquilação pessoal (e universal), numa espécie
de nirvana budista, como única forma de libertação face ao desespero de uma
vida que via apenas como ilusão e vazio, e que os seus Sonetos Completos
(reunidos em 1886) ilustram. Neste período, que terminou por volta de 1880,
publicou ainda no Dois Mundos (publicação de Paris) uma biografia de
Michelet. No ano seguinte, seguiu para Vila do Conde, assumindo a educação das
filhas, entretanto órfãs, de Germano Meireles, um seu amigo, e vivendo em
relativa calma até ao fim dessa década. Aceitou ainda, em 1890, a presidência
da Liga Patriótica do Norte, um dos movimentos de reacção ao Ultimato inglês.
Aos seus problemas pessoais e à persistência da doença somava-se a desilusão
face ao estado do país. Em 1891, regressou a Ponta Delgada e, nesse mesmo ano,
suicidou-se.
A obra de Antero, que reflecte, quer uma evolução,
quer a coexistência simultânea de várias facetas da sua personalidade e de um
intenso drama interior, é fundamentalmente a de um pensador, de um doutrinário
e conceptualizador. Mesmo o sentimento erótico e amoroso, presente em poemas de
juventude, acaba por se tornar fundamentalmente alegórico, reflectindo anseios
e abstracções, mais do que uma emotividade pessoal do poeta. Poeta da razão, da
revolução, mas também do pessimismo, foi um sonetista exemplar.
Em prosa, onde revela grande poder oratório, levou a
cabo o melhor da sua obra crítica e doutrinária, na análise da filosofia da
história portuguesa (como em "Tendências Gerais da Filosofia na Segunda
Metade do Século XIX", ensaio publicado, em 1890, na Revista de
Portugal, de Eça de Queirós) e na crítica do positivismo então dominante, a
que opunha a necessidade de uma consciência espiritual no mundo. A esta
concepção está ligada a ideia de santidade que sempre o dominou — não no
sentido religioso cristão, mas com expressão no seu espírito combativo, numa
epopeia da humanidade e da revolução, na sua fase combativa, e, em princípio e
fim de vida, num apelomístico interior. Pela sua envergadura intelectual, pela
perfeição da sua técnica do soneto e pelo seu contributo para a história das
ideias, é um dos nomes fundamentais da cultura portuguesa.
Um dos seus poemas mais modernos, e que condensa todo um conjunto de problemas estéticos e filosóficos do século XIX, talvez seja "Noites de primavera no 'boulevard'" de 1867:
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Em 1908, o compositor Luís de Freitas Branco dedica-lhe este poema sinfónico ("Depois de uma leitura de Antero de Quental")
Obras de Antero de Quental
Poesia: Sonetos (1861), Beatrice (1863), Fiat
Lux (1863), Odes
Modernas (1865), Primaveras Românticas (1872), Sonetos
(1881), Sonetos Completos (1886), Raios de Extinta Luz, Poesias
Inéditas 1859-1863 (1892), Poesias de Extinta Luz e Outras Poesias
(1948) e Versos (1973).
Ensaio e prosa: Prosas
(3 volumes, 1923, 1926, 1931), Prosas Dispersas (1967), Prosas da
Época de Coimbra (1973) e Cartas (2 vols.) e Filosofia (estas duas últimas publicadas em
1991 numa edição das Obras Completas org. pela Universidade dos Açores).
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