O blogue Estudos Lusófonos tem resistido, até ao momento, à implementação do acordo ortográfico. Algum dia há-de claudicar, ainda que seja só por causa das necessidades didácticas do ensino de língua portuguesa. Por enquanto, aderimos ao que disse o professor Paulo Franchetti, director da editora da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), numa entrevista dada ao blogue Tantas Páginas (CLP, Universidade de Coimbra) sobre o "abstruso" acordo:
PF. O acordo ortográfico é um aleijão.
Linguisticamente malfeito, politicamente mal pensado, socialmente mal
justificado e finalmente mal implementado. Foi conduzido, aqui no
Brasil, de modo palaciano: a universidade não foi consultada, nem teve
participação nos debates (se é que houve debates além dos que talvez
ocorram durante o chá da tarde na Academia Brasileira de Letras), e o
governo apressadamente o impôs como lei, fazendo com que um acordo para
unificar a ortografia vigorasse apenas aqui, antes de vigorar em
Portugal. O resultado foi uma norma cheia de buracos e defeitos, de
eficácia duvidosa. Não sei a quem o acordo interessa de fato. A
ortografia brasileira não será igual à portuguesa. Nem mesmo, agora, a
ortografia em cada um dos países será unificada, pois a possibilidade de
grafias duplas permite inclusive a construção de híbridos. E se os
livros brasileiros não entram em Portugal (e vice-versa) não é por conta
da ortografia, mas de barreiras burocráticas e problemas de câmbio que
tornam os livros ainda mais caros do que já são no país de origem. E
duvido que a ortografia seja uma barreira comercial maior do que a
sintaxe e o ai-meu-deus da colocação pronominal. Mas o acordo interessa,
é claro, a gente poderosa. Ou não teria sido implementado contra tudo e
todos. No Brasil, creio que sobretudo interessa às grandes editoras que
publicam dicionários e livros de referência, bem como didáticos. Se
cada casa brasileira que tem um exemplar do Houaïss, por exemplo,
adquirir um novo, dada a obsolescência do que possui, não há dúvida que
haverá benefícios comerciais para a editora e para a Fundação Houaïss –
Antônio Houaïss, como se sabe, foi um dos idealizadores e o maior
negociador do acordo. O mesmo vale para os autores de gramáticas e
livros didáticos – entre os quais se encontram também outros entusiastas
da nova ortografia. E não é de espantar que tenham sido justamente
esses – e não os linguistas e filólogos vinculados à universidade – os
que elaboram o texto e os termos do acordo. Nem vale a pena referir mais
uma vez o custo social de tal negócio: treinamento de docentes,
obsolescência súbita de material didático adquirido pelas famílias,
adequação de programas de computador, cursos necessários para aprender
as abstrusas regras do hífen e outras miuçalhas. De meu ponto de vista, o
acordo só interessa a uns poucos e nada à nação brasileira, como um
todo. Já Portugal deu uma prova inequívoca de fraqueza ao se submeter ao
interesse localista brasileiro, apesar da oposição muito forte de
notáveis intelectuais, que, muito mais do que aqui, argumentaram com
brilho contra o texto e os objetivos (ou falta de objetivos legítimos)
do acordo.
[Convém acrescentar que o negócio da Porto Editora também não era lá pouca coisa.]
Sem comentários:
Enviar um comentário