22/04/12

João Salaviza: "Arena"

João Salaviza é um jovem realizador português de curta-metragens, que venceu em Fevereiro, com "Rafa", o Urso de Ouro no Festival de Berlim.
Aqui poderão ver "Arena", a primeira curta-metragem que realizou e que foi galardoada com a Palma de Ouro (para curtas) em Cannes (2009). 
"Arena" é um filme contemplativo, minimalista e rico em densidade e realismo emocionais. Exploram-se temas como a violência juvenil urbana e o contraste entre a monotonia da vida suburbana e o vislumbre de uma liberdade inalcançável.

17/04/12

Performance poética: Márcio-Andrê


Hoje, terça-feira, dia 17 de Abril terá lugar na Fundação Laxeiro em Vigo (R. Policarpo Sanz, 15) uma performance do escritor e compositor brasileiro Márcio-André. Participante da chamada “Geração 00”, Márcio-André tem sido considerado um dos mais relevantes[11][12] poetas e ensaístas das novas gerações no Brasil. 

Em http://www.marcioandre.com/ pode ser consultada mais informação sobre a trajectória do artista, além de entrevistas, textos variados e vídeo-poemas como este:


O seguinte vídeo mostra fragmentos da leitura do poema-peça "O objeto: In-di-vi-sível (polifonia para violino e processamento eletrônico)" por Márcio-André, apresentada no CEP 20.000 (Teatro Sérgio Porto - 12-agosto-2008,  vídeo de Daniel Zarvos):

16/04/12

Bernardo Santareno: "O Judeu"

Bernardo Santareno (1920-1980), pseudónimo de António Martinho do Rosário, nasceu em Santarém e faleceu em Lisboa. Licenciou-se em Medicina pela Universidade de Coimbra, tendo-se especializado em psiquiatria.
É considerado um dos maiores dramaturgos portugueses do século XX, cuja obra se costuma dividir em dois ciclos: No primeiro, domina a reivindicação do direito à diferença e do respeito pela liberdade e dignidade do ser humano face a todas as formas de opressão e preconceitos morais e sociais da época, enquanto o segundo se caracteriza por um tipo de teatro mais interventivo no processo de transformação da sociedade até à queda do regime fascista e que se dirige contra todo o tipo de discriminação, política, racial, económica, sexual ou outra.
Peças integrantes do primeiro ciclo: A Promessa, O Bailarino e A Excomungada, publicadas conjuntamente em 1957; O Lugre e O Crime de Aldeia Velha, 1959; António Marinheiro ou o Édipo de Alfama, 1960; Os Anjos e o Sangue, O Duelo e O Pecado de João Agonia, 1961; Anunciação, 1962.
Segundo ciclo: Inicia-se a partir de 1966, com a "narrativa dramática" O Judeu, seguido de O Inferno (1967), A Traição do Padre Martinho (1969) e Português, Escritor. O drama autobiográfico 45 Anos de Idade (1974) seria o primeiro original português a estrear-se depois da revolução. Mais tarde publica ainda Os Marginais e a Revolução (1979).
Santareno publicou não só textos dramáticos, como também poesia e prosa, tendo sido distinguido três vezes com o Prémio Imprensa.

O Judeu é uma narrativa dramática em 3 actos, publicada em 1966 e estreada em 1981 no D. Maria II, com encenação de Rogério Paulo. Generalizadamente considerada como uma obra maior de todo o teatro português, retrata o calvário do dramaturgo setecentista António José da Silva, queimado pelo Santo Ofício em 1739. António José da Silva, autor de comédias e óperas, nasceu em 1705 e ganhou popularidade com o teatro de bonifrates, uma imitação jocosa da ópera italiana muito popular na época. O carácter satírico das suas peças irritou um Santo Ofício dedicado a combater o Iluminismo e o racionalismo com autos de fé, aos quais o povo fantizado assistia como a um espetáculo.
A peça começa com um António José da Silva, filho de judeus e cristão-novo, com 21 anos de idade e estudante de Direito, a viver com receio de ser torturado e encarcerado pela Inquisição, algo que acontece logo no início da obra, com um auto-de-fé, onde o protagonista, sua mãe, Lourença Coutinho, e outras pessoas ouvem o seu julgamento e os insultos do povo. Será um auto de fé no qual destaca a retórica manipulatória do sermão do sacerdote convidado. Esta manipulação e intolerância caracterizam um Portugal obscurantista, o qual, ao longo da peça, será ironizado e criticado pelo Cavaleiro de Oliveira, um escritor português que se refugiara no estrangeiro para fugir à Inquisição e que tem a função de narrador-comentador. Esta personagem estabelece a ligação com o público e até invoca diretamente o público português do momento como "sombras fugidias da esperança e do temor". O Cavaleiro defende constantemente a inocência de António e critica a situação do país:

“Que Portugal seja um relógio, em muitos anos atrasado da hora que segue a Europa civilizada […] Quando toda a Europa esquecendo vai já o repugnante pesadelo dos autos-de-fé, quando mesmo a vizinha Espanha cuida de os espaçar e esconder…Portugal lança-os aos olhos horrorizados do mundo […] Protesto! Porque à Inquisição se deve o empobrecimento do Reino; porque, para subsistir, o Santo Ofício inventa judeus como outros fabricam moeda…!” 

O carácter de processo, assim como os jogos de luz e sombra e o recurso a gravações e projeções pretendem produzir um efeito de distanciação do público, seguindo a matriz do teatro épico (cf. também este link) de Bertolt Brecht. A intenção é mostrar a proximidade entre os valores e as crenças do tempo dos autos de fé e aqueles da sociedade do Estado Novo, o que sublinham as semelhanças físicas e linguísticas entre Salazar e algumas personagens, como o Inquisidor-Mor, a presença da PIDE, representada pelo Estudante Pálido ou o presságio do Holocausto através do sonho profético de Lourença, mãe de António José.
Quando o Estudante Pálido fita António José da Silva de um forma cruel e intensa, causando-lhe terror e insegurança, o Cavaleiro de Oliveira traça uma comparação indirecta entre o clima de terror e medo da Inquisição e da repressão salazarista:

"(Com desgosto e revolta), Medo. O mesmo medo que enruga a mais pura alegria, que gera cobras na cama dos amantes, que deita neve nos mais negros cabelos, que seca o leite no peito das mães… No meu país quem governa é o medo! Os olhos e os ouvidos do medo crescem e multiplicam-se por toda a parte: Nem o pai, nem a mãe, nem a esposa,nem o irmão servem de porto abrigado; armadilhas de traição eles podem ser também. Em Portugal, as varejeiras do medo por toda a banda voam e em todas as cousas, vivas e mortas, de imprevisto pousam. Muitas, muitíssimas são; sem conto, realmente. As nojentas, as ardilosas, as pestíferas varejeiras do medo!
(Aponta enérgico para o sítio do palco onde o Estudante Pálido, meio oculto entre as pregas da cortina de fundo, aparece espiando o Judeu:)
Espião miserável, varejeira maldita!!
(O Estudante Pálido, como uma sombra, logo desaparece.)
Conhecem-se pelo fedor a podre, pela luz assassina dos olhos…
(Levanta-se com ímpeto; escarninho, desesperado:)
Na Europa civilizada, Portugal é a fortaleza do Medo; espiões e polícias, os seus alicerces e guarda!"

No final da peça, depois da imolação de António José pelo fogo, o Cavaleiro de Oliveira grita «Iluminai o Povo de Portugal!». Ao reclamar que só um povo esclarecido será capaz de combater as atrocidades que se repetem ao longo dos tempos, o Cavaleiro de Oliveira culmina a preocupação didática da peça.



Material sobre vida e obra de António José da Silva:


Seleção de bibliografia sobre O Judeu:

BARATA, José Oliveira: Para uma leitura de O Judeu, de Bernardo Santareno. Porto: Contraponto 1983.
BOTTON, Fernanda Verdasca: “O drama que exige ação: o teatro político de Bernardo Santareno”, in Travessias 2008.
COELHO, Maria da Conceiçao; AZINHEIRA, Maria Teresa: O judeu [de] Bernardo Santareno. Mem Martins: Europa América 1995.
DELILLE, Maria Manuela Gouveia: “O judeu de Bernardo Santareno: suas relações com o teatro épico de Bertolt Brecht e com o teatro de Peter Weiss”, in Runa: revista portuguesa de estudos germanísticos, nº 2, 1984, pp. 53-76.
MEDEIROS, Ana Paula: Do teatro em Bernardo Santareno. Tese mestrado em Literatura Portuguesa, Universidade de Coimbra, 1996.
SOARES, Etelvina Maria de Jesus: O trágico em Bernardo Santareno. Tese mestrado em Literatura Portuguesa, Universidade de Coimbra, 1996.

09/04/12

Almada Negreiros: "Nome de Guerra"

Nome de guerra, romance de aprendizagem (Bildungsroman) de Almada Negreiros, foi escrito em 1925 e publicado em 1938. Para Eduardo Prado Coelho, inaugura “na nossa literatura um modelo de ficção-reflexão” (1970: 35) que só na segunda parte do século terá continuidade. 

Em termos de construção narrativa, o romance representa a luta entre a personalidade do indivíduo e as normas da sociedade por adquirir uma certa autonomia. Antunes, o neófito, rebela-se contra os padrões sociais: "amava a verdade acima de tudo", "quem pensa sozinho não quer senão a verdade, as justificações são por causa dos outros". 

O problema começa com a tentativa dos pais, da sociedade e dos modelos culturais e psicológicos de exercer a sua influência sobre o destino do protagonista: "É sempre assim, temos sempre que perder o nosso tempo em desfazer o bem que os outros fizeram por nós". 

Dá-se uma menage à trois (constelação amorosa triangular) estereotípica entre o protagonista uma menina da aldeia (Maria), que o ama sem restrição e a meretriz da cidade (Judite), que desemboca numa situação inesperadamente complexa. Os estereótipos da mulher-anjo (Maria) e da mulher-demónio (Judite) reflectem-se no não menos convencional binómio cidade/campo, opondo a namorada da província à prostituta da cidade. Mas a morte de Maria não será justificada com o facto de o Antunes não responder ao seu amor: a questão da culpa não tem importância neste romance. Isto fica evidente com o facto de as instituições sociais (médicos, igreja), que o Antunes consulta para solucionar os seus problemas, não lhe oferecerem soluções. Também Judite passa por um processo da procura do eu, da própria personalidade, devido ao qual regressa à vida, contrariando as convenções, embora o resultado deste processo fique aberto no final. Representa-se o absurdo dos comportamentos institucionalizados na sociedade e a forma como podem ferir a personalidade do indivíduo.

O amor passa a ser um problema ou um fenómeno dentro da personalidade do indivíduo e é observado no seu lugar do origem, no sujeito, e só depois no seu objecto, a pessoa amada. A justificação é o argumento que o amor sem autonomia pessoal e de carácter representa um engano: "O desequilíbrio era para os dois lados: a Maria e a Judite eram ambas o mesmo erro!", "ninguém pode saber o que se passa connosco até à chegada da nossa consciência". Descreve-se, também, a condição da prostituta em 1925, com meras alusões, sem voyeurismo. Destaca-se, também, sem sentimentalismos, a enorme capacidade de sobrevivência da Judite neste meio social. 

Procura-se dissolver a dicotomia dos valores ‘masculinos’ e marialvas (D. Jorge) e ‘femininos’, embora sempre desde uma definição androcêntrica, típica da época, e que, ao final, também serão representados pelo Antunes. 

A "simplicidade extremamente sofisticada" (Jorge de Sena) da linguagem narrativa e o seu tratamento inovador do amor poderiam ter revolucionado a prosa portuguesa com a sua tradicional dependência do academismo. Porém, o romance não chegou a ter um êxito comparável, por exemplo, à Macunaíma de Mário de Andrade no Brasil, que transformou a prosa literária brasileira. A tendência geral de a burguesia portuguesa de princípios do século XX não ter questionado os modelos culturais e morais pode ter contribuído à dificuldade dos escritores de inovar os estilos e certos tratamentos temáticos.

Alguma bibliografia sobre Nome de Guerra:

Aguiar e Silva, Vítor Manuel de (1994), “Nome de guerra, romance de educação”, in Homenagem a Lúcio Craveiro da Silva, Braga, Centro de Estudos Humanísticos/Universidade do Minho, pp. 403-412.
Alçada Baptista, António (1986), “Nome de guerra, ou um outro amor em Portugal” in Almada Negreiros, José de (1986), Nome de guerra, Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, pp. 11-22.
Ceia, Carlos (2003), “A construção do romance experimental modernista: Ulysses (1922), de James Joyce, e Nome de Guerra (1938), de Almada Negreiros” in Estudos angloportugueses. Livro de homenagem a Maria Leonor Machado de Sousa, Lisboa, Colibri, pp. 127-147.
Loureiro, La Salette (1996), A cidade em autores do primeiro modernismo. Pessoa, Almada e Sá-Carneiro, Lisboa, Estampa.
Lourenço, Eduardo (1966), “Uma literatura desenvolta ou os filhos de Álvaro de Campos” in O tempo e o modo. Revista de pensamento e acção, nº 42, pp. 923-935 [ed. ut.: 2003, O tempo e o modo. Revista de pensamento e acção. Uma antologia, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian].
Maia, João Domingues (1995), “Genealogia de um Nome de Guerra”, in Revista Augustus, Rio de Janeiro: Sociedade Unificada de Ensino Superior Augusto Motta. V.01, N. 1. Disponível on-line: <http://alfarrabio.di.uminho.pt/vercial/letras/ensaio42.htm> (último acesso: 9/4/2012).
Martinez, Maria Ester (1983), “Nome de guerra: una novela de tesis”, in Nova Renascença, Vol. III, pp. 161-166.
Mourão-Ferreira, David (1964), “«Nome de Guerra»” [ed. ut.: 1966, in Hospital das letras, Lisboa, Guimarães Editores, pp. 199-205].
Prado Coelho, Eduardo (1970), “Sobre «Nome de Guerra»” in Colóquio/Letras, nº 60, pp. 35-38.
Régio, José (1938), “Nome de guerra, romance por José de Almada Negreiros. Colecção de autores modernos portugueses. Edições Europa, Lisboa” in Presença, Ano 11, Vol. 3º, nº 53-54, pp. 26-27 [ed. ut.: 1993, Presença. Edição facsimilada compacta, Tomo III, Lisboa, Contexto].
Ribeiro, Ana Maria Silva (2006), Aprender com as mulheres : presenças do feminino no romance de aprendizagem português do século XX, tese de doutoramento, disponível on-line: <http://repositorium.sdum.uminho.pt/handle/1822/5642> (último acesso 9/4/2012).
Sapega, Ellen W. (1992), Ficções modernistas. Um estudo da obra em prosa de José de Almada Negreiros 1915-1925, Lisboa, Instituto de Cultura e Língua Portuguesa.
Silva, Celina (1994), Almada Negreiros. A busca de uma poética da ingenuidade, Porto, Fundação Engenheiro António de Almeida.
___________ (1997), “A escrita em Almada ou uma busca-conquista” in Sentido que a vida faz, Porto, Campo das Letras, pp. 441-447.

Para ver algumas adaptações do romance e uma entrevista com Almada, dique em "Ler mais".

05/04/12

(Des)Acordo Ortográfico e outros (des)encontros essencialistas

O debate sobre o Acordo Ortográfico continua a ser um elemento de divisão na sociedade portuguesa e nas culturas lusófonas em geral. Já oferecemos alguns elementos do argumentário, tanto neste blogue como no nosso site em facebook. Acaba de ser publicada, uma carta dirigida ao ministro da Educação e Ciência, na qual uma mãe portuguesa reuniu boa parte dos argumentos jurídicos e culturais que se evocaram, até ao momento, contra o Acordo que está a ser ensinado nas escolas. Alguns são importantes, outros mais precários. Entre estes últimos, figura uma citação de Fernando Pessoa:

"a) Fernando Pessoa, sobre a reforma de 1911, escreveu: "A ortografia é um fenómeno da cultura, e portanto um fenómeno espiritual. O Estado nada tem com o espírito. O Estado não tem direito a compelir-me, em matéria estranha ao Estado, a escrever numa ortografia que repugno, como não tem direito a impor-me uma religião que não aceito. [...]" (in "Pessoa Inédito"; Lisboa: Livros Horizonte, 1993)"

Neste contexto, há um certo perigo no aproveitamento de afirmações pessoanas (inevitavelmente estéticas, heteronímicas) sobre a língua portuguesa, a ortografia ou o universalismo da cultura portuguesa. Assim, em sentido restrito, desta citação só poderíamos deduzir um apelo ao individualismo anarquista em relação à ortografia, com as correspondentes consequências problemáticas (para o ensino, por exemplo). O argumento da autora torna-se, no entanto, ainda mais precário quando continua a afirmar que
 
"b) Escrita e oralidade são meios autónomos e complementares de manifestação do saber linguístico, em cada idioma. A importância da língua escrita (e da sua norma gráfica) é tanto maior quanto mais complexa e "textualizada" for a vida e a memória de uma sociedade, de uma cultura. A ortografia é garantia incontornável da estabilidade da língua escrita como elemento-chave da identidade nacional, visto que assegura em si mesma a inteligibilidade e a continuidade na transmissão do acervo histórico-cultural, da memória colectiva, de geração em geração, e é além disso portadora de uma simbólica e uma poética próprias, cuja delicada subtileza e riqueza se relacionam intimamente com a antiguidade da língua em apreço e com todo o património literário que lhe está associado."

Elevar a ortografia a "elemento-chave da identidade nacional", por muito questionável que o Acordo Ortográfico possa ser em termos jurídicos ou linguístico-culturais, ou é um excesso essencialista ou um mau uso de essencialismo estratégico. Nem a ortografia nem a própria língua seriam, em termos de diacronia, indispensáveis para a conformação e manutenção de uma identidade cultural. As diferenças nas falas e escritas (e não só das literárias) das variantes do português no espaço lusófono, em contínua evolução desde há séculos, são uma evidência. Por isso, nem seria preciso instituir uma forma ortográfica comum para que os vínculos linguístico-culturais permaneçam, nem seria imprescindível que cada estado lusófono mantivesse uma postura conservadora em relação à ortografia da sua variante. Em todo o caso, as variantes linguísticas e culturais da Lusofonia só se enriquecerão mutuamente na medida em que se desvinculam dos essencialismos históricos.