Nome de guerra, romance de aprendizagem (Bildungsroman) de Almada Negreiros, foi escrito em 1925 e publicado em 1938. Para Eduardo Prado Coelho, inaugura “na nossa literatura um modelo de ficção-reflexão” (1970: 35) que só na segunda parte do século terá continuidade.
Em termos de construção narrativa, o romance representa a luta entre a personalidade do indivíduo e as normas da sociedade por adquirir uma certa autonomia. Antunes, o neófito, rebela-se contra os padrões sociais: "amava a verdade acima de tudo", "quem pensa sozinho não quer senão a verdade, as justificações são por causa dos outros".
O problema começa com a tentativa dos pais, da sociedade e dos modelos culturais e psicológicos de exercer a sua influência sobre o destino do protagonista: "É sempre assim, temos sempre que perder o nosso tempo em desfazer o bem que os outros fizeram por nós".
Dá-se uma menage à trois (constelação amorosa triangular) estereotípica entre o protagonista uma menina da aldeia (Maria), que o ama sem restrição e a meretriz da cidade (Judite), que desemboca numa situação inesperadamente complexa. Os estereótipos da mulher-anjo (Maria) e da mulher-demónio (Judite) reflectem-se no não menos convencional binómio cidade/campo, opondo a namorada da província à prostituta da cidade. Mas a morte de Maria não será justificada com o facto de o Antunes não responder ao seu amor: a questão da culpa não tem importância neste romance. Isto fica evidente com o facto de as instituições sociais (médicos, igreja), que o Antunes consulta para solucionar os seus problemas, não lhe oferecerem soluções. Também Judite passa por um processo da procura do eu, da própria personalidade, devido ao qual regressa à vida, contrariando as convenções, embora o resultado deste processo fique aberto no final. Representa-se o absurdo dos comportamentos institucionalizados na sociedade e a forma como podem ferir a personalidade do indivíduo.
O amor passa a ser um problema ou um fenómeno dentro da personalidade do indivíduo e é observado no seu lugar do origem, no sujeito, e só depois no seu objecto, a pessoa amada. A justificação é o argumento que o amor sem autonomia pessoal e de carácter representa um engano: "O desequilíbrio era para os dois lados: a Maria e a Judite eram ambas o mesmo erro!", "ninguém pode saber o que se passa connosco até à chegada da nossa consciência". Descreve-se, também, a condição da prostituta em 1925, com meras alusões, sem voyeurismo. Destaca-se, também, sem sentimentalismos, a enorme capacidade de sobrevivência da Judite neste meio social.
Procura-se dissolver a dicotomia dos valores ‘masculinos’ e marialvas (D. Jorge) e ‘femininos’, embora sempre desde uma definição androcêntrica, típica da época, e que, ao final, também serão representados pelo Antunes.
A "simplicidade extremamente sofisticada" (Jorge de Sena) da linguagem narrativa e o seu tratamento inovador do amor poderiam ter revolucionado a prosa portuguesa com a sua tradicional dependência do academismo. Porém, o romance não chegou a ter um êxito comparável, por exemplo, à Macunaíma de Mário de Andrade no Brasil, que transformou a prosa literária brasileira. A tendência geral de a burguesia portuguesa de princípios do século XX não ter questionado os modelos culturais e morais pode ter contribuído à dificuldade dos escritores de inovar os estilos e certos tratamentos temáticos.
Alguma bibliografia sobre Nome de Guerra:
Aguiar e Silva, Vítor Manuel de (1994), “Nome de guerra, romance de educação”, in Homenagem a Lúcio Craveiro da Silva, Braga, Centro de Estudos Humanísticos/Universidade do Minho, pp. 403-412.
Alçada Baptista, António (1986), “Nome de guerra, ou um outro amor em Portugal” in Almada Negreiros, José de (1986), Nome de guerra, Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, pp. 11-22.
Ceia, Carlos (2003), “A construção do romance experimental modernista: Ulysses (1922), de James Joyce, e Nome de Guerra (1938), de Almada Negreiros” in Estudos angloportugueses. Livro de homenagem a Maria Leonor Machado de Sousa, Lisboa, Colibri, pp. 127-147.
Loureiro, La Salette (1996), A cidade em autores do primeiro modernismo. Pessoa, Almada e Sá-Carneiro, Lisboa, Estampa.
Lourenço, Eduardo (1966), “Uma literatura desenvolta ou os filhos de Álvaro de Campos” in O tempo e o modo. Revista de pensamento e acção, nº 42, pp. 923-935 [ed. ut.: 2003, O tempo e o modo. Revista de pensamento e acção. Uma antologia, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian].
Maia, João Domingues (1995), “Genealogia de um Nome de Guerra”, in Revista Augustus, Rio de Janeiro: Sociedade Unificada de Ensino Superior Augusto Motta. V.01, N. 1. Disponível on-line: <http://alfarrabio.di.uminho.pt/vercial/letras/ensaio42.htm> (último acesso: 9/4/2012).
Martinez, Maria Ester (1983), “Nome de guerra: una novela de tesis”, in Nova Renascença, Vol. III, pp. 161-166.
Mourão-Ferreira, David (1964), “«Nome de Guerra»” [ed. ut.: 1966, in Hospital das letras, Lisboa, Guimarães Editores, pp. 199-205].
Prado Coelho, Eduardo (1970), “Sobre «Nome de Guerra»” in Colóquio/Letras, nº 60, pp. 35-38.
Régio, José (1938), “Nome de guerra, romance por José de Almada Negreiros. Colecção de autores modernos portugueses. Edições Europa, Lisboa” in Presença, Ano 11, Vol. 3º, nº 53-54, pp. 26-27 [ed. ut.: 1993, Presença. Edição facsimilada compacta, Tomo III, Lisboa, Contexto].
Ribeiro, Ana Maria Silva (2006), Aprender com as mulheres : presenças do feminino no romance de aprendizagem português do século XX, tese de doutoramento, disponível on-line: <http://repositorium.sdum.uminho.pt/handle/1822/5642> (último acesso 9/4/2012).
Sapega, Ellen W. (1992), Ficções modernistas. Um estudo da obra em prosa de José de Almada Negreiros 1915-1925, Lisboa, Instituto de Cultura e Língua Portuguesa.
Silva, Celina (1994), Almada Negreiros. A busca de uma poética da ingenuidade, Porto, Fundação Engenheiro António de Almeida.
___________ (1997), “A escrita em Almada ou uma busca-conquista” in Sentido que a vida faz, Porto, Campo das Letras, pp. 441-447.
Para ver algumas adaptações do romance e uma entrevista com Almada, dique em "Ler mais".
Ernesto de Sousa entrevistado sobre o mixed-media "Almada, Um Nome de Gerra" (1970):
Exactamente Antunes, uma
peça de Jacinto Lucas Pires, baseada em "Nome de Guerra" de Almada
Negreiros, que esteve em cena de 28 a 30 de Abril 2011, no TNSJ, no Porto:
Almada Negreiro (1893-1970) entrevistado por Raul Solnado na primeira emissão do programa Zip Zip, transmitido a 24 de Maio de 1969 na RTP:
O Zip-Zip, foi um dos primeiros talk-shows da televisão portuguesa, tendo
conquistado grandes audiências. Almada Negreiros seria ainda o autor do poema impresso na contracapa do LP editado pelo "Zip Zip".
Mais informações:
http://guedelhudos.blogspot.com/search/label/Zip%20Ziphttp://nasterrasdofimdomundo.blogspot.com/2009/02/zip-zip.html
1 comentário:
Boa tarde, encontrei por acaso este interesante post sobre Almada e aproveito a ocasião para que visitem o meu blog http://www.pessoasenmadrid.blogspot.com.es/
Un cordial saludo.
Antonio Iraizoz
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