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Caderno de Memórias Coloniais, da escritora e bloguista Isabela Figueiredo, tem-se convertido, nos últimos anos, num dos acontecimentos literários mais importantes em Portugal. Para a revista
Ípsilon, suplemento cultural do diário
O Público, foi um dos livros do ano 2009 e que, agora, já vai na 5.ª edição. Os 43 textos que compõem o
Caderno (seguidos por uma “adenda” e uma entrevista) representam, num tono autobiográfico, cenas de uma infância nos arrabaldes de Lourenço Marques, o que hoje em dia é Maputo, a capital de Moçambique. Parcialmente, estas memórias foram compiladas a partir do blogue
"O Mundo Perfeito", criado pela autora em 2005, e que, inicialmente, estava encabeçado por uma
epígrafe da poeta galega Lupe Gómez. Este blogue foi reconvertido, em 2009, a outro chamado
"Novo Mundo". O impacto do
Caderno de Memórias Coloniais, e o seu extraordinário destaque junto da crítica, deve-se ao facto de atentar contra o que se poderia chamar a visão paradisíaca ou, pelomenos, suavizada, que uma parte da sociedade portuguesa continua a cultivar no que diz respeito ao período colonial.
Este discurso cor-de-rosa está presente, ainda, na academia e no ensino. Se abrirmos, hoje, um compêndio de história de referência, como a História de Portugal, dirigida por José Mattoso, ou de grande divulgação sobre os Descobrimentos, como Originalidade da Expansão Portuguesa por Orlando Ribeiro, não encontraremos muitos relatos de perspectivas críticas sobre o colonialismo português nem muita informação sobre racismo, crimes de guerra ou as peculiaridades da sociedade colonial, sobre como se tratava a população autóctone, como eram as famílias fundadoras do sistema colonial, as histórias íntimas dos altos funcionários do regime ou dos militares que optaram por ficar lá depois do 25 de de Abril. Dentro e fora de Portugal continua a cultivar-se o discurso de um colonialismo mais brando e suave em comparação com os outros impérios, geralmente disfarçado da sua capacidade de mestiçagem de raças e de transferência intercultural. Os Anos da Guerra (1988), organizado por João de Melo, que combina uma antologia de textos literários sobre a experiência da guerra colonial com uma análise historiográfica crítica, representa uma excepção, enquanto outros, que se mostram abertamente críticos com a história da expansão portuguesa, como Ministros da Noite (1992) de Ana Barrados, são muito mais raros ainda.