«A liberdade para todos só pode vir com a destruição das ficções sociais»
Esta é a conclusão principal do conto filosófico O Banqueiro Anarquista de Fernando Pessoa, publicado em Maio de 1922 no primeiro número da Contemporânea, dirigida por José Pacheco e ilustrada por Almada Negreiros. Com a sua pretensão de arejar o provincianismo da Lisboa de princípios do século XX, esta revista também procurava prolongar no tempo a pequena e elitista revolução estética da geração de Orpheu. No editorial do seu primeiro número, a Contemporânea apresentava-se como «feita expressamente para gente civilizada e para civilizar gente». Porém, a contribuição de Fernando Pessoa supõe uma variação bastante satírica e ambígua deste ambicioso projecto civilizador. O seu conto abre com a descrição de um ambiente desembaraçado e alegadamente civilizado num destes clubes à inglesa, tradicionalmente alheios aos debates intelectuais ou políticos. Depois de um jantar presumivelmente opulento, um banqueiro rico emaranha o seu ingénuo e servil interlocutor, que actua a modo de um discípulo platónico, com o seu raciocínio complexo e paradoxal. Segue-se uma lição iconoclasta e irónica sobre o que este banqueiro, confessadamente açambarcador, considera ser o verdadeiro anarquismo, do qual se declara inventor e partidário fervoroso, apesar de as suas práticas profissionais serem, em última instância, anti-sociais e, empregando uma terminologia mais actual, neoliberais. Já o oximoro sociopolítico do título, «O Banqueiro Anarquista», desconcerta de imediato a quem lê este conte philosophique, podendo causar, até, um certo desassossego na próxima visita ao multibanco. Além de outros três brevíssimos contos de lógica paradoxal, este é o texto de prosa literária completo mais extenso entre os poucos que Pessoa chegou a publicar em vida. Não é um texto que tenha recebido uma atenção especial por parte da crítica pessoana, embora nos possa oferecer uma perspectiva diferente e bastante sugestiva sobre a heteronímia, da qual pretendo fazer aqui um primeiro esboço. No fundo, O Banqueiro Anarquista é um tratado didáctico sobre filosofia política, disfarçado de diálogo vagamente platónico que joga hábil e intencionalmente com diversas variantes de silogismos, tautologias e sofismas.
As principais edições de O Banqueiro Anarquista são a de Manuela Parreira da Silva na Assírio&Alvim, que inclui 13 fragmentos. A edição de Teresa Sobral Cunha (Relógio d’Água) tem a inconveniência de integrar estes fragmentos no texto sem que existissem indicações inequívocas do autor se e onde os teria inserido.
No seguinte PPT resumimos alguns aspectos de interpretação e de contextualização do conto (uma análise mais detalhada pode ser encontrada aqui):
Encenação de João Garcia Miguel de O Banqueiro Anarquista (2009):
1 comentário:
É impressionante como passados todos estes anos a obra se mantém actual. O livro não é muito extenso, mas em poucas palavras Pessoa tem a capacidade de dizer aquilo que muitos nem em 2000 páginas seriam capazes de escrever.
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